por Abdias Pinheiro
Uma tempestade medonha varreu o que o homem da limpeza não ‘barreu’. O dia de cara suada pingotejalando o destino reciclou o luxo do lixo: Nasce uma estrela: Dona Naná (só para os íntimos): olhos de desconfiança, ouvidos abanados, cabelos de aratataia ornamentando o juízo de tino forte. O martelo quando bate anunciando a sentença só tem um peso e uma medida.
Deu de chegar pelo círio. Veio de rabeta enfeitada descendo o grande rio atracar na guajará. Esbarrou de cara com um bode amarrado proibido de caminhar. Um prefeito, um vigário, um escrivão meio trôlho, dois soldados, cinco virgens, meia dúzia de babacas e uma groza de trouxas.
O alto falante do beiradão anunciava o discurso dos feitos mais que perfeitos com verbos bem estudados, de politiquice velha pra eleitor escolado.
Sentada na cumeeira de ventarola na mão, tangendo os mosquitos pra não sofrer de picada, ajuntava bem as oiças pra escutar a falança. Um pó-pó-pó meio lerdo vencendo a fúrias das águas cortou a prosopopéia. Dona Nana apontou as vistas pra boca do catedrático decodificando a conversa de miolo de pote. Uma faísca de lembrança, despertada pelo estrondo da barriga, deu de puxar conversa com a fome.
Montada na vigilenga passeou pelo beiradão procurando o que comer. Deu de encostar n’uns guindastes de ferro velho e fundidos. Viu-se cercada de espelhos por todo lado. Passou a mão nos cabelos, ajeitou o diadema, conferiu a maquiagem e sorriu: É ferro pra fabricar mil armaduras, espelhos pra maquiar mil Narcisos, muitas patacas enterradas. Vasculhou a multidão em agourada gargalhada: Desfile de manequins, penitentes sem pecados, almas esconjuradas catando um lírio mimoso. Achou uma segredada: dois compadres, que há tempos não se viam, vendo dois rapazes bombados, de musculatura injetada, estatura de Baco, comentavam:
– Os rapazes de hoje são ‘tudo’ assim, fortes, altos, bem criados… no que o outro atalhou:
– Que bem criados que nada compadre, são os ’ormônio’ da galinha!
–
Chafariz da praça da República – Belém, Pará, 1987
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