28
mar
12

Caruaru começa com C e termina com U.

Um grande amigo meu, também natural de Caruaru e, morador da beira do rio Ipojuca no Alto do Moura, em uma das vezes que lhe fiz uma visita, me disse, depois de ele ter sobrevivido a uma das grandes enchentes, que se mudou com sua Lessie,  cachorra de porcelana Luzarte Estrela fabricada lá na rua preta, para a pracinha em frente a sua casa, vizinha da delegacia de polícia. Conseguiu salvar quase tudo da fúria do Ipojuca. Habitou na praça, pelo tempo da duração da enchente. Só lamentou ter perdido a safra de milho, mas antes ela que a casa. Sem pompa disse: “Caro amigo tu por aqui! O que essa terra tem para te oferecer se não muriçoca? Olhe bem dileto amigo, Caruaru começa com C, termina com U, no meio tem um aruá, fica num buraco, tem muriçoca pra caramba e fede!” Foram as boas vindas mais fantásticas que coleciono. Estava acostumado com o: “tu chegou quando? Vai simbora quando? Tás fazendo o quê aqui?”. Eu nem desatava os nós do matulão e já me mandavam embora.  Até hoje eu fico triste com algumas boas vindas. E quando é por parte de parentes!  Ai é um exercício de “Organografia”, para identificar em que folha da árvore genealógica fica entalado o sujeito. Eu fiquei analisando se seria conveniente publicar uma crônica sobre o  C e o U de Caruaru. É tão bonita minha cidade de antigamente. Hoje ela habita meu imaginário. Dizem que não tem mais muriçocas só a lembrança. Nas rádios Cultura dos irmãos Onildo e José Almeida, na Difusora e na Liberdade ouvíamos, nos intervalos dos programas ou no “acerte seus ponteiros: “Na terra do imortal da Academia Brasileira de Letras Austregésilo de Athayde… Na terra do mestre Vitalino… Na terra dos irmãos Condé são tantas horas.” Caruaru da rua Bahia, da rua Preta, do Lactário, do Sandú pra consertar braços e pernas de meninos travessos, da estação de trem, dos armazéns da Box Well, da rabada do Natal, da carne de sol da Nair, da fava com xerém do Villaça lá na zona. Eu quando vou a Caruaru procuro nos becos, nas ruas estreitas, nas fachadas das casas antigas a lembrança. Em criança, passeando do bairro Petrópolis até o Mauricio de Nassau, descendo por trás da Caruá, atravessando a barragem do riachão, passando pelos Cafundós, descendo a rua da coca-cola, praça do Rosário, rua são Sebastião, ponte mestre Vitalino. Meus olhos inquietos invadiam a indiferença. Eu queria entrar nas casas para escutar as estórias das famílias, fazer comparações, saber o que se passava em cada cabeça, se tinham amor, ódio, o que estavam pensando sobre viver em estado de ditadura, o que significava liberdade, direito de falar o que quisesse. Na minha casa a gente cochichava sobre certos assuntos, principalmente depois que meu pai voltou.  O ar de Caruaru está povoado de estórias e acontecimentos. A primeira vez que tive contato com os mistérios de Caruaru foi quando encontrei José Condé, na Biblioteca pública. Folheando Terra de Caruaru me apresentei. Mas aí já são outras estórias, estórias como as das enchentes do Ipojuca, das pescarias de piabas, jundiás, traíras, caritos, muçuns, isso quando o rio ria de alegria por estar acarinhado por crianças nas duas margens. Mas o rio Ipojuca tá lá mortinho da silva. Morto pela merda da cidade. O rio empanturrou-se de cocô e morre fedendo até hoje.    

* Continua na próxima edição.

Rua da Matriz  década de 60. Caruaru, Pe.

Foto:  autor desconhecido, por enquanto,  pois uma hipótese de ypsilon indica que seja do fotógrafo Pissica.

Texto Abdias Pinheiro(c)Direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização do autor.


1 Resposta to “Caruaru começa com C e termina com U.”



Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s


março 2012
S T Q Q S S D
 1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031  

%d blogueiros gostam disto: