Dava umas boas passadas da casa do fim do mundo até o externato Natália Limeira na rua Porto Alegre, mas o rio estava em estado de cheia e não havia ponte. Uma jangada, presa por um cabo de arrame, fazia a gentileza da travesia. Mas o rio não estava em toda sua exuberância. A correnteza ainda era fraquinha para empurrar as baronesas ao destino final. A jangada, naquela manhã, estava presa. As baronesas desceram o rio pela madrugada e, bem alí no quintal do Sagrado Coração de Jesus, deram de sublevar umas sobre as outras. A água corria por baixo elevando lentamente o nível do Ipojuca. Uma pequena multidão, empatada pelas baronesas, esperava solução para a travessia. A professora não tolerava que os alunos chegassem atrasados. Mas como transpor aquela barreira verde flutuante? Um gênio tomou a dianteira e começou a fazer uma estiva de tábuas sobre as folhagens de uma margem a outra do rio. As tábuas finas avisavam que não poderiam suportar muito peso. Um de cada vez, mas o homem é intempestivo e egoista não sabe esperar a sua vez. Depois que o primeiro chegou a outra margem uma fila se formou e, disciplinados pelo medo foram cuidadosamente caminhando pé sobre pé, mas um que estava devendo cautela, sem dar sinal começou a ultrapassar os demais. Foi o bastante. Avisados estavam! A tábua rangeu de raiva e, como querendo se vingar, adernou para a direita. O homem afundou. As baronesas laçaram o apressado pela cintura, enroscaram-se pelas pernas e o puxaram para as profundesas caudalosas do Ipojuca em fúria silênciosa. Um Deus nos acuda sacudio a multidão e, como formigueiro mijado, correram em todas as direções. O pânico tomou conta! Mais uma pessoa ficou presa pelas raizes, outra tentou salva-la, tambem foi feito presa. Gritos, choros, o caos instalou-se nos medos das pessoas. Meu irmão mais velho do que nós, encarregado de nos levar e ir buscar no externato, ordenou que nós voltássemos para casa. Anos depois o Miguel Arraes inaugurou a ponte que levou o nome de Mestre Vitalino. Eu estive lá e me lembro das gambiarras de luzes amarelas quase morte enfeitando o chão de terra vermelha. Vê o Miguel Arraes eu mesmo não vi, mas o meu pai apertou-lhe as mãos.
* Baronesa segundo o Aurélio: 2. Bras. Bot. Dama-do-lago. Aqui na Amazônia: Mururé.
Feira de Caruaru no centro da cidade. No ângulo superior esquerdo o rio Ipojuca, entre 1968 e1972.
Foto autor desconhecido, por enquanto, pois uma hipótese de ypsilon indica a autoria do fotógrafo Pissica.
Texto: Abdias Pinheiro (c). Direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização do autor.
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