04
nov
10

QUESTÕES PRIVADAS

QUESTÕES PRIVADAS

De repente uma palavra se torna um palavrão: privatizar. Até quem a
defendeu no passado se esconde pra não ser levado aos tribunais da
Inquisição. Aos olhos de todos é uma barbaridade, algo impensável numa
sociedade politicamente correta. Não se sabe exatamente por que, mas se
quiserem privatizar a Petrobrás, o mundo vai acabar. E assim, um
assunto que deveria ser serenamente discutido vira um dogma: não se
pode questionar, não se deve tocar.

Cresci num país católico, numa família católica de mãe carola e,
diversas vezes, tive a tentação de perguntar: o que é um dogma? Como
explicar a Santíssima Trindade, três em um, Pai, Filho e Espírito
Santo? Ora menino, isso é Fé, é preciso ter fé pra entender.  Fiquei
desapontado e com uma enorme culpa por não ser uma pessoa de fé.

Hoje tento questionar os palavrões e os dogmas.  Primeiro: o que é um
bem público? Teoricamente é uma propriedade, material ou não, da
população de uma região ou país. Mas aí vem: o que é propriedade? A
posse de um bem para usufruto próprio numa visão bem simplista.  Então
um bem público é propriedade de uma população para seu usufruto, certo?

Uma praça, um monumento, uma rua, um parque todos cabem nessa
definição. Mas, uma empresa pública é uma propriedade pública?  No meu
ponto de vista, se não há cobrança de serviços como nos hospitais,
estradas ou escolas, de fato é propriedade de quem a usufrui.

No entanto, se há cobrança pelos serviços, no que se difere de uma
empresa privada que presta os mesmos serviços ao mesmo preço ou
similares? Os Correios são melhores em logística do que a Fedex ou TAM?
Banco do Brasil e Caixa são exemplos de bancos que superam todos os
demais? Nos postos Petrobrás a gasolina é mais barata ou melhor que nos
outros?

Ah, mas a propriedade é do Estado, assim é de todos nós.  Bem eu nunca
recebi dividendos de nenhuma empresa pública que teoricamente sou
proprietário, mas se compro ações de uma empresa privada, junto com
milhares de outros investidores, tenho algum retorno.  Então, como
encaixar a definição de bem público se não temos usufruto dos serviços
nem da propriedade? A rigor, os reais beneficiários de uma empresa como
esta são sua elite dirigente, os funcionários e políticos que a usam
como se de fato fosse sua propriedade.

Por outro lado, e mais perverso ainda, os serviços essenciais que cabe
a qualquer governo, educação, saúde e segurança, há muito estão
privatizados e nem por isso há uma grita geral da nação. Naturalmente,
e sem nenhum alarde, a classe média foi cuidando na esfera privada
daquilo que era obrigação do Estado. Com a deterioração desses serviços
essenciais, o mercado passou a oferecer opções melhores de escolas,
planos de saúde e segurança. Quem podia pagar optou por aumentar seus
gastos pra oferecer melhores condições para sua família.

No entanto, continuou a pagar uma carga crescente de impostos, sem ter
nenhum retorno disso. Apesar da contradição, não vejo nada de errado,
afinal os impostos são uma forma de equalizar as diferenças sociais, só
não precisava ser tão mal usado, nem ser desperdiçado em empresas
estatais deficitárias, mal geridas e absolutamente desnecessárias.

Essa evolução de palavra pra palavrão só tem eco porque o conceito de
privatização é manipulado pelos únicos que de fato têm interesse, entre
eles os políticos e sindicatos. Na visão destes, aquele bem público vai
desaparecer nas mãos de empresários que encarnam a visão do Mal.
Curiosamente não citam que os maiores investidores do mercado são
exatamente os fundos de pensão das estatais, bancados majoritariamente
pelo Estado. Ou seja, os funcionários e o próprio Estado, na maioria
das vezes continuarão com parte dessas empresas. Só que agora
minoritariamente, e aí, políticos e sindicalistas não poderão mais
fazer dela o que bem querem. Portanto a questão não é de posse, mas de
poder e isso, em nenhum momento, está nas mãos do povo (só nas
eleições, a miragem de poder que sustenta essa discussão toda).

Pronto, que o bafo do Coisa Ruim avance sobre meu pescoço, mas não
podia mais engolir tanto dogma mal explicado.

Celso Eluan Lima

Foto Abdias Pinheiro – Restaurante sobre o mangue- Salinas, Pa – 2009
(c) Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização do autor.


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